Pedro do Coutto
O presidente do Congresso, José Sarney, – reportagem da Gabriela Guerreiro, Folha de São Paulo de terça-feira – anunciou seu empenho para derrubar, no Senado, o projeto aprovado pela Câmara que prevê sigilo em torno dos preços das obras (públicas) destinadas à Copa de 2014 e às Olimpíadas de 2016. Tem razão, está correto seu posicionamento. Pois se as obras são públicas, expostas aos olhos de todos, pagas na verdade por todos os brasileiros, não há motivo para que seus preços sejam secretos. Não há motivo, muito menos legal e até constitucional.
Há poucos dias escrevi neste site artigo focalizando os artigos 70 e 71 da CF que regem as atribuições do Tribunal de Contas da União. Onde quer que haja recursos públicos, o TCU tem que estar presente, acompanhar as despesas, impedi-las se forem extravagantes ou conterem (o que acontece muito) superfaturamentos.
Estes dispositivos da Constituição de 88 já seriam suficientes. Mas lendo a emenda constitucional 45 de dezembro de 2004, em pleno vigor, encontro argumentos adicionais. Está nos itens 9 e 10 da emenda. Pelo item 9, todos os julgamentos serão públicos e publicamente fundamentadas as decisões, sob pena de nulidade. O item 10 vai mais além: todas as decisões administrativas dos tribunais, portanto entre elas as do TCU, serão em sessões públicas.
Mais claro, impossível. Não podem haver, assim, contratos sigilosos uma vez que implicam eles em julgamento de alguma forma e tal julgamento tem que ser aberto a todos. O que pode haver, a Constituição Federal prevê na emenda 45, é a limitação das pessoas presentes. O que se compreende, para evitar superlotação.
É sempre bom dar-se uma olhada na CF. Nessa altura, iluminam-se descobertas preciosas:”a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração dos processos e dos meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Vale a pena gravar este dispositivo na memória.
O texto constitucional brasileiro, numa infinidade de capítulos, funciona para mostrar o contraste entre o que está escrito no papel e o que se exerce na prática. Um exemplo concreto é o artigo 201 que trata das aposentadorias pelo INSS. Nele está dito que será assegurado o reajuste através do tempo a fim de que seja garantido o valor monetário inicial. O INSS jamais cumpriu tal obrigação. Tanto assim que as pessoas – são milhões que, ao se aposentar, recebiam o teto de dez salários mínimos, e hoje recebem cinco pisos apenas.
Esta defasagem atinge em cheio a aproximadamente seis milhões de pessoas, um quinto dos quase trinta milhões dos aposentados e pensionistas da Previdência Social. Isso porque 80% recebem apenas o salário mínimo. Está na CF, mas a obrigação é ignorada quanto à necessidade da correção ao longo do tempo. Incrível.
Incrível é também a omissão dos Poderes Públicos. A jornalista Eliane Catanhede publicou primoroso artigo, também na FSP de 21, destacando o fenômeno de que as decisões de maior impacto somente são tomadas em função do clamor público com que os jornais destacam as questões. Tem razão. E tem mais um detalhe essencial: a força desse clamor tem que vir no papel escrito. Na Internet, por si, pouco motiva. Mas seu efeito se amplia quando se desloca para as páginas impressas. O mesmo processo ocorre com a televisão e o rádio.
Eliane Catanhede desfilou exemplos: consultorias e apartamento de Palocci, emenda que anistia desmatadores embutidas no Código Florestal, os contratos da Copa do Mundo, o recuo da presidente Dilma quanto ao sigilo eterno dos documentos nacionais. São fortes, todos eles, bastante emblemáticos. A eles pode-se adicionar o caso do Mensalão em 2005, dos Aloprados em 2006. Os responsáveis foram punidos. Mas só através da opinião pública. No Brasil, prisão só para os pobres. Nada de segredo para a Copa. Segredo é para quatro paredes, compôs Herivelto Martins, há 64 anos.
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