Pedro do Coutto
A pergunta lógica se impõe diante das versões do ministro Gilmar
Mendes e do ex-presidente Lula sobre o encontro no escritório de Nelson
Jobim. Se não incluiu o julgamento do mensalão, como sustenta Mendes,
qual o conteúdo dos diálogos segundo Luiz Inácio da Silva? Não é
possível que uma pessoa da importância do ex-presidente da República
procure um intrigante do Poder Judiciário para falar generalidades. Não
tem cabimento. Houve, sem dúvida, uma pauta específica, sobretudo porque
o encontro não ocorreu casualmente.
Ao contrário. Foi programado e intermediado por um outro ex-ministro
do STF e da Defesa. Titular desta pasta exatamente no governo que
antecedeu a da presidente Dilma Roussef.
Poderiam ter se encontrado na rua, almoçarem juntos, publicamente,
tomado café numa confeitaria. Nada de mais. Acontece. Porém marcar um
encontro fechado num escritório de advocacia deixa evidente, pelo menos,
o conteúdo sensível das conversações. Achar o contrário é negar o óbvio
ululante, para lembrar Nelson Rodrigues, este ano, centenário de
nascimento do grande autor.
Por estas razões creio ter plena razão o jornalista Merval Pereira em
sua coluna, terça-feira 29 em O Globo. Sejam quais forem os pretextos e
predisposições, o encontro foi envolvido pela nuvem da inconveniência.
Não havia razão para que os dois se aproximassem. Na verdade duas
pessoas públicas, principalmente Lula, mas cujo relacionamento não era
de intimidade. Duas pessoas conhecidas, mas não amigas. Que foram fazer
então naquele escritório?
As circunstâncias narradas por Nelson Jobim, na realidade, parecem
confirmar o relato de Gilmar Mendes. Pois Jobim afirma não ter assistido
toda a conversa (em seu relatório escrito), tendo se levantado e ido à
copa providenciar que fossem servidas frutas ao ex-presidente da
República.
Não faz sentido o anfitrião ausentar-se do palco ou da sala para
comandar serviços de alimentos naturais e sucos aos dois visitantes da
tarde, 26 de abril, em Brasília.
Na mesma terça feira 29, na Folha de São Paulo, Jânio de Freitas
publicou artigo indagando qual o motivo teria levado Gilmar Mendes a
procurar a revista Veja praticamente um mês depois do sombrio encontro
para fazer circular seu testemunho de personagem. Difícil saber.
Só perguntando ao integrante do STF. Porém não se deve confundir as
coisas. A demora em partir para um confronto aberto com ele, Mendes,
sabia ser inevitável, não quer dizer que tenha tentado driblar os fatos
por linhas sinuosas da linguagem jornalística. São realidades distintas.
O adiamento, a meu ver, decorreu de uma dúvida que o acometeu. Aliás
uma dupla dúvida. Hesitou em tomar a iniciativa do cotejo fatal, pela
repercussão que teria, e – sobretudo – ante a hipótese de a troca de
palavras ter sido gravada. Poderia ocorrer uma edição, admitiu. Não
estou dizendo que minhas suposições tenham acontecido e impulsionado
Gilmar Mendes a entrar em campo e iniciar o duelo. Apenas tanto elas, as
suposições, encontrar uma explicação e iluminar um roteiro para um
raciocínio, senão provável, pelo menos possível. Não existem muitas
alternativas além das que formam este elenco de idéias.
O elenco de atores, entretanto, apresenta diversos personagens.
Nelson Jobim, um deles. Carlos Ayres Brito, presidente da Corte Suprema,
outro. Tanto assim que na mesma reportagem da Veja ele aparece no
segundo ato afirmando que, durante jantar no Alvorada, recebeu
insinuação de Lula que o levou a acender a luz amarela, a qual – disse –
apagou depois.
Ricardo Levandowsky, mais um, já que a ele foi atribuída versão (de Lula) de que estaria sendo pressionado. Por quem?
E, nesta altura da peça, mais um personagem emerge: José Dirceu, ator
desesperado do mensalão de 2005. O debate está aberto. O destino dos
réus lançado.
Carlos Chagas
Reúne-se hoje a CPI do Cachoeira para levantar o sigilo fiscal e
bancário da construtora Delta em todo o país e, possivelmente, convocar
para depor os governadores Marconi Perilo, Sérgio Cabral e Agnelo
Queirós. Apesar da importância da decisão, os debates serão mais
acirrados diante da afirmação atribuída ao ex-presidente Lula, feita
pelo e ao ministro Gilmar Mendes, sobre controlar a CPI e poder, nela,
blindar políticos e empresários, em troca de ser adiado o julgamento do
mensalão. Até ontem o Lula estava disposto a não se pronunciar a
respeito, ou seja, não desmentir Gilmar Mendes nem admitir que pretendeu
influir nos trabalhos do Supremo Tribunal Federal.
A crise é grande, imensa, exigindo uma palavra formal do
ex-presidente. Peso bem menor teve o desmentido do ex-ministro Nelson
Jobim, anfitrião do encontro. Se o Lula fica quieto, o mínimo a supor é a
aplicação da máxima popular de que “quem cala, consente”.
No Supremo, a reação à suposta intervenção do Lula tem sido veemente.
Celso de Mello, decano dos ministros, chamou de indecorosa a
intervenção do ex-presidente e lembrou que seria o caso de impeachment,
caso ele estivesse no exercício do cargo. Marco Aurélio Mello usou os
adjetivos “espantoso”, “inqualificável” e “intolerável”. O próprio Ayres
Brito, presidente da mais alta corte nacional de justiça, disse ser
inconcebível a tentativa de se cooptar um ministro.
No Congresso, sucederam-se os protestos, não apenas da oposição, mas
no PMDB, PP e penduricalhos. A impressão é de que o episódio não poderá
virar fumaça. Senão omissão, porque jornais, telejornais e revistas
divulgaram a denúncia de Gilmar Mendes, ressalte-se a timidez quanto à
emissão de opiniões: nenhum editorial, ao menos até ontem.
Convenhamos, e com todo o respeito ao passado e à figura do
ex-presidente Lula, trata-se de um escândalo inconcluso. Não dá para
encerrar-se com o silêncio de um e as diatribes de outros. Afinal, vale
repetir, quem cala, consente…
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AGORA DEMÓSTENES
Também hoje o Conselho de Ética do Senado vai ouvir o senador
Demóstenes Torres. A menos que o representante de Goiás siga na esteira
de seu mentor, Carlinhos Cachoeira, alegando o direito constitucional de
ficar calado, ouviremos sua tentativa de defesa. Tanto faz se será
veemente ou tímida. Na realidade, Demóstenes já está arcabuzado e
perderá seu mandato. Sempre poderá renunciar, ato unilateral, mas o
provável é que seja cassado, apesar de a decisão de seus colegas dar-se
pelo voto secreto, quando chegar ao plenário.
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SEMANA QUENTE
Em Goiânia, sexta-feira, Carlinhos Cachoeira será interpelado na vara
da Justiça Federal. Poderá dizer o que não disse na CPI mista, semana
passada, quando apenas sorriu diante das indagações de deputados e
senadores. Se falar, é claro que será para declarar-se inocente das
acusações de corrupção, tráfico de influência, formação de quadrilha e
muitas outras. Mesmo assim, não sairá da cadeia. Não há Márcio Thomas
Bastos que o livre das penas da lei.
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CONSELHO SEPULTADO
Fala-se do Conselho de Comunicação Social, criado pela Constituição
de 1988 e apenas constituído no ano 2000, como órgão auxiliar do Senado
Federal. Mesmo sem qualquer poder decisório, presidido pelo advogado
José Paulo Cavalcanti, o Conselho prestou excelentes serviços ao debate
sobre a liberdade e os limites da imprensa, mas, estranhamente, morreu
de morte morrida, sem ter sido renovado depois de quatro anos de
atuação. Ignora-se porque o senador José Sarney não o renovou, muito
menos porque entidades como a ABI, a ABERT e a Associação Nacional de
Jornais não protestaram.