Carlos Newton
Como dizia o célebre cronista social Ibrahim Sued, “em sociedade tudo se sabe”. Essa realidade se faz cada vez mais presente. No caso da CPI do Cachoeira, por exemplo, realizar depoimentos sigilosos não adiantou nada. Logo em seguida os jornais divulgavam tudo que havia acontecido.
No depoimento sigiloso que concedeu, nos primeiros trabalhos da CPI do Cachoeira, o delegado Matheus Mela Rodrigues, que coordenou a Operação Monte Carlo, citou uma lista com 82 nomes que tiveram relações ou foram apenas citados em conversas de Carlos Augusto Ramos, O Carlinhos Cachoeira.
A lista inclui nomes de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), de governadores, senadores, deputados federais, prefeitos e até mesmo da presidente Dilma Rousseff. Apavorado, o presidente da CPI, senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), fez um apelo, aos parlamentares, para que não comentassem com a imprensa os nomes da lista, uma vez que o fato de estarem citados em conversas do grupo não significa que tenham envolvimento com o esquema de Cachoeira. Afinal, os nomes podem ter sido usados pelo grupo do contraventor sem conhecimento dos citados.
Detalhe importante: Na lista faltam nomes de pessoas que já foram citadas em gravações que vazaram, como do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, por exemplo, mencionado em áudios da operação Monte Carlo.
O delegado Matheus Mela Rodrigues foi responsável pela Operação Monte Carlo, deflagrada em novembro de 2010 e que resultou na prisão de Carlinhos Cachoeira e membros de seu grupo, em fevereiro deste ano. Os 82 nomes citados se referem a esta operação, e não à Vegas, ação policial semelhante, encerrada em 2009.
A Folha, por exemplo, teve acesso à lista dos nomes citados pelo delegado. Constam três ministros do STF, Gilmar Mendes, Luiz Fux e Dias Toffoli; dos governadores Antonio Anastasia (PSDB-MG), Marconi Perillo (PSDB-GO), Beto Richa (PSDB-PR) e Agnelo Queiroz (PT-DF). O nome do presidente do Senado, José Sarney também está na lista.
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VEJA QUEM É CITADO
Veja agora, na lista recebida pelos reporteres Andreza Matais e Ruben Valente, da Folha, os nomes de políticos, jornalistas e autoridades que são citados nas gravações, por ordem alfabética:
* Senador Aécio Neves (PSDB-MG)
* Deputado distrital do DF Agaciel Maia (PTC-DF)
* Governador Agnelo Queiroz (PT-DF)
* Presidente DEM-DF Alberto Fraga
* Secretário de Indústria e Comércio de Goiás Alexandre Baldy
* Governador de Minas Gerais Antonio Anastasia
* Suplente de senador Ataides de Oliveira
* Procurador-geral da Justica de Goiás Benedito Torres
* Governador do Paraná Beto Richa (PSDB)
* Senador Blairo Maggi (PR-MT)
* Senador Demostenes Torres (sem partito-DF)
* Diretor da Delta Carlos Pacheco
* Diretor Regional da Delta no Centro-Oeste Claudio Abreu
* Jornalista Claudio Humberto
* Ex-chefe de gabinete de Agnelo Queiroz Claudio Monteiro
* Ministro do Supremo Tribunal Federal José Antonio Dias Toffoli
* Presidente Dilma Rousseff
* Ex-presidente do Detran de Goiás Edivaldo Cardoso
* Ex-senador Eduardo Siqueira Campos (PSDB)
* Ex-chefe de gabinete do governo de Goiás Eliane Pinheiro
* Vereador de Goiânia Elias Vaz (PSOL)
* Secretário Estadual de Comunicação de Santa Catarina Ênio Branco
* Dono da construtora Delta Fernando Cavendish
* Vereador de Anápolis Fernando Cunha
* Presidente da Caesb Fernando Leite
* Prefeito de Águas Lindas (GO) Geraldo Messias (PP)
* Prefeito de Nerópolis (GO) Gil Tavares (PTB)
* Deputado federal Fernando Francischini (PSDB-PR)
* Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes
* Diretor da Delta na região Sul e em São Paulo Heraldo Puccini
* Policial Militar, assessor do senador Demóstenes, Hrillner Ananias
* Presidente da Agetop Jayme Rincon
*Ex-sub-secretário de Esportes do DF João Carlos Feitosa, o Zunga
* Secretário de Segurança de Goiás João Furtado
* Jornalista João Unes
* Diretor do Serviço de Limpeza Urbana do DF João Monteiro Neto
* Jornalista Jorge Cajuru
* Prefeito de Aparecida de Goiânia Maguito Vilela (PMDB)
* Deputado federal Sandes Junior (PP-GO)
* Senador Jose Sarney (PMDB-AP), presidente do Senado
* Vice-governador de Goiás José Eliton (DEM)
* Desembargador do TRT de Goiás Julio Cesar Brito
* Deputado federal Jovair Arantes (PP-GO)
* Deputado federal Leonardo Vilela (PMDB-GO)
* Presidente do PRTB Levy Fidelis
* Ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux
* Governador Marconi Perillo (PSDB-GO)
* Deputado federal Marcos Monti (DEM-MG)
* Jornalista Mino Pedrosa
* Diretor da Anvisa Norberto Rech
* Jornalista Policarpo Jr, da revista Veja
* Deputado federal Protogenes Queiroz (PC do B-SP)
* Deputado distrital do DF Raad Massouh (PPL)
* Secretário de Segurança do Paraná Reinaldo Sobrinho
* Deputado federal Stephan Necessian (PPS-RJ)
* Jornalista Renato Alves
* Ex-procurador-geral do Estado de Goiás Ronald Bicca
* Vereador em Goiânia Santana Gomes
* Vice-governador do DF Tadeu Fillipeli (PMDB-DF)
* Vereador em Anápolis Wesley Silva
* Secretário de infra-estrutura de Goiás Wilder Morais
* Ex-comandante da PM de Goiás Carlos Antonio Elias
* Ex-governador de Tocantis Marcelo Miranda (PMDB)
* Prefeito de Anápolis Antonio Gomide (PT)
* Ex-vereador de Goiania, Wladimir Garcêz
Como dizia o célebre cronista social Ibrahim Sued, “em sociedade tudo se sabe”. Essa realidade se faz cada vez mais presente. No caso da CPI do Cachoeira, por exemplo, realizar depoimentos sigilosos não adiantou nada. Logo em seguida os jornais divulgavam tudo que havia acontecido.
No depoimento sigiloso que concedeu, nos primeiros trabalhos da CPI do Cachoeira, o delegado Matheus Mela Rodrigues, que coordenou a Operação Monte Carlo, citou uma lista com 82 nomes que tiveram relações ou foram apenas citados em conversas de Carlos Augusto Ramos, O Carlinhos Cachoeira.
A lista inclui nomes de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), de governadores, senadores, deputados federais, prefeitos e até mesmo da presidente Dilma Rousseff. Apavorado, o presidente da CPI, senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), fez um apelo, aos parlamentares, para que não comentassem com a imprensa os nomes da lista, uma vez que o fato de estarem citados em conversas do grupo não significa que tenham envolvimento com o esquema de Cachoeira. Afinal, os nomes podem ter sido usados pelo grupo do contraventor sem conhecimento dos citados.
Detalhe importante: Na lista faltam nomes de pessoas que já foram citadas em gravações que vazaram, como do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, por exemplo, mencionado em áudios da operação Monte Carlo.
O delegado Matheus Mela Rodrigues foi responsável pela Operação Monte Carlo, deflagrada em novembro de 2010 e que resultou na prisão de Carlinhos Cachoeira e membros de seu grupo, em fevereiro deste ano. Os 82 nomes citados se referem a esta operação, e não à Vegas, ação policial semelhante, encerrada em 2009.
A Folha, por exemplo, teve acesso à lista dos nomes citados pelo delegado. Constam três ministros do STF, Gilmar Mendes, Luiz Fux e Dias Toffoli; dos governadores Antonio Anastasia (PSDB-MG), Marconi Perillo (PSDB-GO), Beto Richa (PSDB-PR) e Agnelo Queiroz (PT-DF). O nome do presidente do Senado, José Sarney também está na lista.
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VEJA QUEM É CITADO
Veja agora, na lista recebida pelos reporteres Andreza Matais e Ruben Valente, da Folha, os nomes de políticos, jornalistas e autoridades que são citados nas gravações, por ordem alfabética:
* Senador Aécio Neves (PSDB-MG)
* Deputado distrital do DF Agaciel Maia (PTC-DF)
* Governador Agnelo Queiroz (PT-DF)
* Presidente DEM-DF Alberto Fraga
* Secretário de Indústria e Comércio de Goiás Alexandre Baldy
* Governador de Minas Gerais Antonio Anastasia
* Suplente de senador Ataides de Oliveira
* Procurador-geral da Justica de Goiás Benedito Torres
* Governador do Paraná Beto Richa (PSDB)
* Senador Blairo Maggi (PR-MT)
* Senador Demostenes Torres (sem partito-DF)
* Diretor da Delta Carlos Pacheco
* Diretor Regional da Delta no Centro-Oeste Claudio Abreu
* Jornalista Claudio Humberto
* Ex-chefe de gabinete de Agnelo Queiroz Claudio Monteiro
* Ministro do Supremo Tribunal Federal José Antonio Dias Toffoli
* Presidente Dilma Rousseff
* Ex-presidente do Detran de Goiás Edivaldo Cardoso
* Ex-senador Eduardo Siqueira Campos (PSDB)
* Ex-chefe de gabinete do governo de Goiás Eliane Pinheiro
* Vereador de Goiânia Elias Vaz (PSOL)
* Secretário Estadual de Comunicação de Santa Catarina Ênio Branco
* Dono da construtora Delta Fernando Cavendish
* Vereador de Anápolis Fernando Cunha
* Presidente da Caesb Fernando Leite
* Prefeito de Águas Lindas (GO) Geraldo Messias (PP)
* Prefeito de Nerópolis (GO) Gil Tavares (PTB)
* Deputado federal Fernando Francischini (PSDB-PR)
* Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes
* Diretor da Delta na região Sul e em São Paulo Heraldo Puccini
* Policial Militar, assessor do senador Demóstenes, Hrillner Ananias
* Presidente da Agetop Jayme Rincon
*Ex-sub-secretário de Esportes do DF João Carlos Feitosa, o Zunga
* Secretário de Segurança de Goiás João Furtado
* Jornalista João Unes
* Diretor do Serviço de Limpeza Urbana do DF João Monteiro Neto
* Jornalista Jorge Cajuru
* Prefeito de Aparecida de Goiânia Maguito Vilela (PMDB)
* Deputado federal Sandes Junior (PP-GO)
* Senador Jose Sarney (PMDB-AP), presidente do Senado
* Vice-governador de Goiás José Eliton (DEM)
* Desembargador do TRT de Goiás Julio Cesar Brito
* Deputado federal Jovair Arantes (PP-GO)
* Deputado federal Leonardo Vilela (PMDB-GO)
* Presidente do PRTB Levy Fidelis
* Ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux
* Governador Marconi Perillo (PSDB-GO)
* Deputado federal Marcos Monti (DEM-MG)
* Jornalista Mino Pedrosa
* Diretor da Anvisa Norberto Rech
* Jornalista Policarpo Jr, da revista Veja
* Deputado federal Protogenes Queiroz (PC do B-SP)
* Deputado distrital do DF Raad Massouh (PPL)
* Secretário de Segurança do Paraná Reinaldo Sobrinho
* Deputado federal Stephan Necessian (PPS-RJ)
* Jornalista Renato Alves
* Ex-procurador-geral do Estado de Goiás Ronald Bicca
* Vereador em Goiânia Santana Gomes
* Vice-governador do DF Tadeu Fillipeli (PMDB-DF)
* Vereador em Anápolis Wesley Silva
* Secretário de infra-estrutura de Goiás Wilder Morais
* Ex-comandante da PM de Goiás Carlos Antonio Elias
* Ex-governador de Tocantis Marcelo Miranda (PMDB)
* Prefeito de Anápolis Antonio Gomide (PT)
* Ex-vereador de Goiania, Wladimir Garcêz
domingo, 01 de julho de 2012 | 05:00
Carlos Chagas
Durante alguns anos, depois de deixar o poder, se não passou incólume, o general Ernesto Geisel parecia destinado a inscrever-se na crônica como um presidente da República que acertou mais do que errou. Afinal, tanto faz os motivos que o inspiraram, mas levantou a censura na imprensa escrita. Iniciou o processo de abertura política e, até mesmo, nos últimos três meses de seu governo, revogou o Ato Institucional número 5. Na coluna do “haver”, também pesam em seu crédito a sustentação da soberania nacional, quando bateu de frente com os Estados Unidos. A tentativa de inscrever o Brasil no clube nuclear. Uma política energética nacionalista.
E mais a tomada pública de posição contra a tortura institucionalizada, depois do assassinato do jornalista Wladimir Herzog e do operário Manoel Fiel Filho nos porões do II Exército, em São Paulo. Um general de quatro estrelas foi demitido, tivesse ou não conhecimento dos horrores praticados à sua sombra. De quebra, Geisel livrou o movimento militar do general Silvio Frota, que despontava como presidenciável e era a encarnação do ditador irascível e truculento. O então ministro do Exército foi demitido numa verdadeira operação de guerra.
É claro que na coluna do “deve” muita coisa pesou. Censura à imprensa nos dois primeiros anos de seu governo, cassações de mandatos, decretação do recesso do Congresso, “pacote de abril”, com abomináveis casuísmos políticos destinados à preservação do poder em mãos de um regime que já fazia água. Sem falar na imposição do sucessor, general João Figueiredo, sem consulta a ninguém, nem mesmo ao Alto Comando do Exército. Até hoje há quem duvide de ter sido coincidência a morte, num espaço de nove meses, dos três principais adversários em condições de derrotar nas urnas futuras o sistema militar: Juscelino Kubitschek, João Goulart e Carlos Lacerda.
O diabo, para Geisel, é que depois de sua morte surgiu a denúncia do jornalista Elio Gaspari, aliás, seu amigo pessoal, através da divulgação, em livro, de uma degravação. Nela, em conversa como o general Dale Coutinho, o presidente da abertura defendia a eliminação física de adversários do governo, por agentes do governo. Quer dizer, justificou assassinato puro e simples daqueles que tentavam derrubar o regime, seja lá porque métodos fosse.
O ídolo foi mostrado com os pés de barro. Se não surgirem, como não surgiram até agora, contraditórios ou desmentidos eficazes, vai para o espaço a imagem do penúltimo general-presidente.
João Figueiredo, o último, foi uma espécie de Macunaíma do sistema militar. Espertíssimo, tanto que serviu a todos os antecessores, inimigos entre si. Coronel chefe da Agência Central do SNI no governo Castelo Branco, general chefe do Estado-Maior de Garrastazu Médici no comando do III Exército, no governo Costa e Silva, chefe do Gabinete Militar do presidente Médici, chefe do SNI do presidente Geisel, o último general-presidente era competente. Tríplice coroado, quer dizer, primeiro aluno em todos os cursos castrenses de que participou, buscava transmitir uma imagem anti-intelectual, antes e depois de assumir o poder. Preferia cheiro de cavalo a cheiro de povo. Fingia-se de grosso, adepto dos palavrões.
Mas logo que instalado no palácio do Planalto, levantou a censura no rádio, na televisão e nas publicações que faltavam. Mandou ao Congresso projeto de anistia aos cassados e estimulou a volta de todos os exilados. “Lugar de brasileiro é no Brasil”, afirmou ao assistir pela televisão o retorno de Leonel Brizola, Luis Carlos Prestes, Miguel Arraes e mais um monte de exilados, dos que se opunham retoricamente e dos que pegaram em armas mudar as instituições.
Ia tudo dando certo quando a direita mostrou outra vez a pata. Atentados a bancas de jornal e a livrarias que passaram a vender literatura de esquerda; bombas em automóveis e residências de líderes da oposição; cartas-bomba enviadas à Ordem dos Advogados do Brasil. À Associação Brasileira de Imprensa e à Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro. Finalmente, a tentativa de explosão do Riocentro, durante a realização de um show de música popular organizado por artistas de nítida postura oposicionista. Teria sido um massacre de centenas de jovens, não fosse a certeza de que Deus é mesmo brasileiro. Um dos petardos explodiu por antecipação, no colo de um capitão e de um sargento do Exército, no carro em que tentavam armá-lo. Um morreu, outro sobreviveu, ambos integrantes do famigerado CIEX, núcleo do terrorismo de estado.
Foi o divisor de águas, responsável até pela demissão, a pedido, do general Golbery do Couto e Silva, chefe do gabinete Civil, que exigia a apuração e a punição dos responsáveis, do capitão aos generais. Figueiredo hesitou e cedeu. Como expor seus companheiros, que governavam com ele? De que maneira arriscar-se a punir seus ministros, porque a linha de apuração dos fatos chegaria até eles? Engendrou-se uma farsa, atribuindo-se aos comunistas aquilo que o sistema fazia. Agora, com a conivência do chefe…
Do Riocentro ao final do seu mandato, atingido por grave enfarte e mil outras somatizações da impotência política, João Figueiredo transformou-se na sombra daquilo que uma vez pretendeu ser e quase conseguiu: o general-presidente responsável pela devolução da democracia do Brasil. Com a eleição de Tancredo Neves e a posse de José Sarney, encerrava-se o ciclo militar iniciado há quarenta anos. (Continua amanhã)
Durante alguns anos, depois de deixar o poder, se não passou incólume, o general Ernesto Geisel parecia destinado a inscrever-se na crônica como um presidente da República que acertou mais do que errou. Afinal, tanto faz os motivos que o inspiraram, mas levantou a censura na imprensa escrita. Iniciou o processo de abertura política e, até mesmo, nos últimos três meses de seu governo, revogou o Ato Institucional número 5. Na coluna do “haver”, também pesam em seu crédito a sustentação da soberania nacional, quando bateu de frente com os Estados Unidos. A tentativa de inscrever o Brasil no clube nuclear. Uma política energética nacionalista.
E mais a tomada pública de posição contra a tortura institucionalizada, depois do assassinato do jornalista Wladimir Herzog e do operário Manoel Fiel Filho nos porões do II Exército, em São Paulo. Um general de quatro estrelas foi demitido, tivesse ou não conhecimento dos horrores praticados à sua sombra. De quebra, Geisel livrou o movimento militar do general Silvio Frota, que despontava como presidenciável e era a encarnação do ditador irascível e truculento. O então ministro do Exército foi demitido numa verdadeira operação de guerra.
É claro que na coluna do “deve” muita coisa pesou. Censura à imprensa nos dois primeiros anos de seu governo, cassações de mandatos, decretação do recesso do Congresso, “pacote de abril”, com abomináveis casuísmos políticos destinados à preservação do poder em mãos de um regime que já fazia água. Sem falar na imposição do sucessor, general João Figueiredo, sem consulta a ninguém, nem mesmo ao Alto Comando do Exército. Até hoje há quem duvide de ter sido coincidência a morte, num espaço de nove meses, dos três principais adversários em condições de derrotar nas urnas futuras o sistema militar: Juscelino Kubitschek, João Goulart e Carlos Lacerda.
O diabo, para Geisel, é que depois de sua morte surgiu a denúncia do jornalista Elio Gaspari, aliás, seu amigo pessoal, através da divulgação, em livro, de uma degravação. Nela, em conversa como o general Dale Coutinho, o presidente da abertura defendia a eliminação física de adversários do governo, por agentes do governo. Quer dizer, justificou assassinato puro e simples daqueles que tentavam derrubar o regime, seja lá porque métodos fosse.
O ídolo foi mostrado com os pés de barro. Se não surgirem, como não surgiram até agora, contraditórios ou desmentidos eficazes, vai para o espaço a imagem do penúltimo general-presidente.
João Figueiredo, o último, foi uma espécie de Macunaíma do sistema militar. Espertíssimo, tanto que serviu a todos os antecessores, inimigos entre si. Coronel chefe da Agência Central do SNI no governo Castelo Branco, general chefe do Estado-Maior de Garrastazu Médici no comando do III Exército, no governo Costa e Silva, chefe do Gabinete Militar do presidente Médici, chefe do SNI do presidente Geisel, o último general-presidente era competente. Tríplice coroado, quer dizer, primeiro aluno em todos os cursos castrenses de que participou, buscava transmitir uma imagem anti-intelectual, antes e depois de assumir o poder. Preferia cheiro de cavalo a cheiro de povo. Fingia-se de grosso, adepto dos palavrões.
Mas logo que instalado no palácio do Planalto, levantou a censura no rádio, na televisão e nas publicações que faltavam. Mandou ao Congresso projeto de anistia aos cassados e estimulou a volta de todos os exilados. “Lugar de brasileiro é no Brasil”, afirmou ao assistir pela televisão o retorno de Leonel Brizola, Luis Carlos Prestes, Miguel Arraes e mais um monte de exilados, dos que se opunham retoricamente e dos que pegaram em armas mudar as instituições.
Ia tudo dando certo quando a direita mostrou outra vez a pata. Atentados a bancas de jornal e a livrarias que passaram a vender literatura de esquerda; bombas em automóveis e residências de líderes da oposição; cartas-bomba enviadas à Ordem dos Advogados do Brasil. À Associação Brasileira de Imprensa e à Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro. Finalmente, a tentativa de explosão do Riocentro, durante a realização de um show de música popular organizado por artistas de nítida postura oposicionista. Teria sido um massacre de centenas de jovens, não fosse a certeza de que Deus é mesmo brasileiro. Um dos petardos explodiu por antecipação, no colo de um capitão e de um sargento do Exército, no carro em que tentavam armá-lo. Um morreu, outro sobreviveu, ambos integrantes do famigerado CIEX, núcleo do terrorismo de estado.
Foi o divisor de águas, responsável até pela demissão, a pedido, do general Golbery do Couto e Silva, chefe do gabinete Civil, que exigia a apuração e a punição dos responsáveis, do capitão aos generais. Figueiredo hesitou e cedeu. Como expor seus companheiros, que governavam com ele? De que maneira arriscar-se a punir seus ministros, porque a linha de apuração dos fatos chegaria até eles? Engendrou-se uma farsa, atribuindo-se aos comunistas aquilo que o sistema fazia. Agora, com a conivência do chefe…
Do Riocentro ao final do seu mandato, atingido por grave enfarte e mil outras somatizações da impotência política, João Figueiredo transformou-se na sombra daquilo que uma vez pretendeu ser e quase conseguiu: o general-presidente responsável pela devolução da democracia do Brasil. Com a eleição de Tancredo Neves e a posse de José Sarney, encerrava-se o ciclo militar iniciado há quarenta anos. (Continua amanhã)
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