Lá se foi Luis Mendes, o grande historiador do futebol brasileiro e mundial, testemunha e intérprete de todas as Copas do Mundo, a partir da de 50, e de mais de mil competições internacionais. E de, pelo menos, 10 mil disputas nacionais. Viajou para sempre, atravessando nuvens de eternidade, imagem de Hemingway no Kilimanjaro, num belo dia de sol da semana passada. Sua voz, sua palavra fácil, slogan que o marcou no rádio e na televisão, ecoam no coração de multidões de torcedores que o acompanharam na Rádio Globo, na TV-Rio que não mais existe, na Rádio Nacional, cujo microfone ocupou durante algum tempo, num percurso brilhante que incluiu a Rádio Tupi, antes do retorno a sua origem no Rio.
Veio do Rio Grande do Sul para a Globo, então recém-criada na primeira parte da década de 40. De sua geração, resta agora, apenas, Orlando Batista. Mendes deixou o gramado e as emoções que envolvem as histórias de bola. E levam a todos nós a viver a aventura dos atletas, dos campeões do mundo, como nossa própria aventura. Sua voz se calou. Não o teremos na Copa de 2014. A Seleção Brasileira vai ter que jogar sem ele.
Pertenceu à geração de Galiano Neto, Oduvaldo Cozzi, Ari Barroso, além de artista locutor, Valdir Amaral, Sérgio Paiva, João Saldanha, Clóvis Filho, Jorge Curi, Doalcei Camargo. Saldanha comentou a seu lado. Não posso esquecer Leo Batista, vivo em folha, Rede Globo, seu parceiro em muitas transmissões na TV-Rio. Hoje, no lugar do Cassino Atlântico, onde está o Hotel Sofitel, final do Posto Seis. Mas Leo Batista surgiu em 50, não em 40, plena era do rádio, focalizada intensamente no filme de Wood Allen.
Luis Mendes, senão me engano começou em 43 ou 44. Orlando batista, na Rádio Mauá, em 48. Todos estes que citei popularizaram o futebol e ajudaram a construir sua história. Importantíssimo na comunicação esportiva. Porém, de todos, o maior historiador foi sem dúvida Luis Mendes. Porque, além de narrar e comentar, ele era movido pela paixão de colecionar episódios em sua memória, não sei se em seus arquivos. Algumas vezes disse a ele que deveria editá-las, o que poderia se transformar numa enciclopédia do esporte. Mendes estava para o futebol, assim comno Antonio Houaiss, que dirigiu a Delta Larousse, para acultura artística e a linguagem. O arquivo de Mendes está com a mulher com quem foi casado por sessenta anos, a atriz Daise Lúcidi. Ela saberá das o destino certo ao monumento de informações que ele acumulou, degrau por degrau, ao construir sua obra, ao deixar seu legado. Este pertence ao povo, aos que amam o futebol e aos que se apaixonam pelas emoções que vêm do passado.
Por exemplo, estava ele ao microfone da Rádio Globo, quando, em 50, o Uruguai fez o segundo gol.Sua voz, em meio ao silêncio, era de espanto e tristeza. Alegria viria a ser recuperada na vitória no Panamericano de 52, Santiago do Chile, quando derrotamos o mesmo Uruguai por 4 a 2. Depois, narrou ele 58, 62, 70, comentou 94 e 2002.
Tornou-se também pentacampeão mundial porque viveu em si aquelas jornadas heroicas. Viveu e compartilhou. Era um liberal da cultura esportiva. A dividia com milhões de rostos e ouvidos nas multidões em delírio, mas também acompanhava o sofrimento das derrotas. Não era um homem solitário. E sim solidário ao extremo. Contribuiu muito com Saldanha, a democratizar os enigmas táticos, traduzindo-os para o povo. Ele conhecia o futebol não apenas pela visão dos gramados verdes que, ao entrarmos nos estádios, nos alimentam a esperança. Desvendava também o plano que só se observa através dos túneis que ligam o palco aos bastidores.
Neste adeus a Mendes, posso afirmar que a história dos jogos de bola foi a sua própria história.
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