segunda-feira, 11 de julho de 2011

Propina até contra os desabrigados do Rio

Propina até contra os desabrigados do Rio
Foto: WILTON JUNIOR/AGÊNCIA ESTADO

RECONSTRUÇÃO DAS CIDADES ATINGIDAS PELA MAIOR TRAGÉDIA NATURAL DA HISTÓRIA DO PAÍS, COMO FRIBURGO E TERESÓPOLIS, NA SERRA FLUMINENSE, ESTÁ SUJEITA A UMA COMISSÃO DE 50%; UMA DAS EMPREITEIRAS FAVORECIDAS PERTENCE À QUEIROZ GALVÃO

247 – No início deste ano, o Brasil conheceu a maior tragédia natural de sua história, quando as chuvas devastaram diversas cidades da serra do Rio de Janeiro, como Nova Friburgo e Teresópolis. Mais de 900 pessoas morreram e a tragédia só não foi maior porque os bombeiros – recentemente chamados de “vândalos” pelo governador Sergio Cabral – salvaram centenas de vidas e brasileiros de várias regiões do País se mobilizaram numa onda inédita de solidariedade. Muitas dessas cidades ainda não foram plenamente reconstruídas. Longe disso. E agora se descobre que boa parte da verba que deveria estar sendo aplicada na reconstrução da serra fluminense, onde estão várias cidades históricas e turísticas, vem sendo desviada em propinas de até 50%.
A denúncia foi feita no jornal O Globo, numa reportagem de Antonio Werneck, publicada neste domingo. Em depoimento ao Ministério Público Federal (MPF), o dono de uma construtora revelou que, na chuva que há seis meses matou mais de 900 pessoas na Região Serrana, um acerto entre empreiteiras e autoridades de Teresópolis subiu a taxa da propina de 10% para 50%. Em Friburgo, o município mais atingido pela enxurrada, uma empresa ganhou um contrato de mais de R$ 900 mil para prestação de serviços, apesar de estar proibida de participar de licitações. Até agora, o MPF da cidade já instaurou mais de dez inquéritos civis públicos para apurar denúncias de corrupção.
Em Teresópolis, a prefeitura é administrada pelo PT e a cidade recebeu um repasse de R$ 100 milhões, do Ministério da Integração Nacional, por determinação da presidente Dilma Rousseff. O empresário que participou do processo de delação premiada contou que o aumento da comissão – que passou de 5%, antes das chuvas, para 50% após a tempestade – foi determinado por dois secretários da prefeitura de Teresópolis: José Alexandre (Governo) e Paulo Marquesine (Obras). Abaixo, trechos da reportagem de Antonio Werneck:
“Segundo o denunciante, três empresas (RW de Teresópolis Construtora e Consultoria Ltda; Vital Engenharia Ambiental S/A, do grupo Queiroz Galvão; e Terrapleno Terraplanagem e Construção Ltda) seriam as principais beneficiadas. Ainda de acordo com o seu relato, a RW e a Vital ficariam encarregadas da retirada de entulho e da desobstrução de ruas. Já a Terrapleno ficaria com a coleta de lixo, com auxílio da Vital, que cuidaria da instalação de um aterro. Uma quarta empresa, a Contern Construções e Comércio Ltda, de São Paulo, também teria recebido recursos do município, mas não é citada pelo empresário.
As denúncias foram feitas na sede da Procuradoria da República de Teresópolis, aumentando o número de informações de um inquérito civil público que já apurava o suposto desvio de dinheiro público e a não realização de obras contratadas na cidade. O procurador da República Paulo Cezar Calandrini, que cuida do caso, disse que não poderia falar do assunto porque o inquérito corria em segredo de Justiça.
Denúncias de irregularidades e suspeitas de corrupção também atingiram Nova Friburgo, o município que mais sofreu, em área urbana, com o temporal do início do ano, tendo recebido R$10 milhões - a maior fatia das verbas federais enviadas às cidades da região. Até agora, o MPF na cidade já instaurou mais de dez inquéritos civis públicos e promete outros, cobrando explicações da prefeitura. O caso mais grave aponta para funcionários da Fundação Municipal de Saúde (FMS), que autorizaram, no meio tragédia, o pagamento, sem licitação, de mais de R$ 900 mil a uma empresa do Rio, a Spectru Instrumental Científico Ltda. O contrato previa que a empresa faria a manutenção e a conservação de equipamentos da rede municipal de saúde atingidos pela enxurrada.
Os procuradores da República que atuam no município descobriram que a Spectru já tinha vencido, em 2010, uma concorrência para prestar basicamente os mesmos serviços (manutenção de equipamentos hospitalares) por um terço do valor total. O processo seletivo acabou anulado porque empresas participantes provaram na Justiça que a Spectru estava impedida de concorrer em qualquer licitação no estado - por não ter cumprido os termos do contrato de outra concorrência.
Em abril, o MPF de Friburgo já havia instaurado um inquérito civil público para apurar a lentidão da prefeitura para informar como estava usando verbas federais no município. No mês passado, em outra ação do MP, a Justiça determinou que a Fundação Municipal de Saúde suspendesse o pagamento de quase R$ 2,9 milhões a quatro empresas para obter material médico-hospitalar. Os procuradores da República também descobriram que as compras foram autorizadas sem um pedido prévio do chefe do almoxarifado central da FMS.
- A grosso modo, é o mesmo que você ir ao supermercado e encher um carrinho de compras sem antes saber o que realmente está faltando em sua casa - disse o procurador Marcelo Borges de Mattos Medina.
As suspeitas de fraudes com o dinheiro público recaem ainda sobre outros cinco municípios da região atingidos pelas enxurradas: Petrópolis, Sumidouro, Areal, Bom Jardim e São José do Vale do Rio Preto, que teriam recebido um total R$13 milhões do governo federal, mas até hoje não prestaram contas de como gastaram a verba. As investigações sobre possíveis irregularidades respingam ainda nas secretarias de Obras e de Assistência Social e Direitos Humanos do governo do estado. Os dois órgãos ficaram encarregados de aplicar nos municípios serranos recursos da ordem de R$70 milhões enviados pela União. Segundo procuradores do MPF que atuam da região, somente na última sexta-feira o governo estadual enviou informações sobre os serviços que contratou. Esses dados ainda serão analisados. Já os municípios não prestaram informações satisfatórias.”


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