|
Guilherme Fiuza
Carlinhos
Cachoeira disse que vai à CPI quando quiser, porque a CPI é dele. Quase
simultaneamente, um dos agentes federais que o investigaram é executado
num cemitério, enquanto visitava o túmulo dos pais. Al Pacino e Marlon
Brando não precisam entrar em cena para o país entender que há uma
gangue atentando contra o Estado brasileiro. Em qualquer lugar
supostamente civilizado, os dois tiros profissionais na nuca e na
têmpora do policial Wilton Tapajós poriam sob suspeita, imediatamente,
os investigados pela Operação Monte Carlo - alvos do agente assassinado.
Mas no Brasil progressista é diferente.
O
ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, se pronunciou sobre o crime.
Declarou que "é leviano" fazer qualquer ligação entre a execução do
policial federal e a operação da qual ele fazia parte. E mais não disse.
Tapajós foi enterrado no lugar onde foi morto. Se fosse filme de máfia,
iam dizer que esses roteiristas exageram. No enterro, alguém de
bom-senso poderia ter soprado ao ouvido do ministro: dizer que é leviano
suspeitar dos investigados pela vítima, excelência, é uma leviandade.
Mas
ninguém fez isso, e nem poderia. O ministro da Justiça não foi ao
enterro. Wilton Tapajós era subordinado ao seu ministério, atuava na
principal investigação da Polícia Federal e foi executado em plena
capital da República, mas José Eduardo Cardozo devia estar com a agenda
cheia. (Talvez seja mais fácil desvendar o crime do que a agenda do
ministro.) Por outro lado, o advogado de Cachoeira, investigado pelo
agente assassinado, é antecessor de Cardozo no cargo de xerife do
governo popular. Seria leviano contrariar o companheiro Thomaz Bastos.
Assim
como o consultor Fernando Pimentel (ministro vegetativo do
Desenvolvimento) e Fernando Haddad (o príncipe do Enem), Cardozo é
militante político de Dilma Rousseff e ministro nas horas vagas. O
projeto de permanência petista no poder é a prioridade de todos eles,
daí os resultados nulos de suas pastas. Cardozo anunciara que ia se
aposentar da política, e em seguida virou ministro. Lançou então seu
ambicioso plano de espalhar UPPs pelo país e se aposentou (da função de
cumpri-lo). Deixou de lado o abacaxi do plano nacional de segurança, que
não dá voto a ninguém, e foi fazer política, que ninguém é de ferro.
Para bater boca com a oposição e acusá-la de politizar a operação da PF,
por exemplo, o ministro não se sente leviano.
Carlinhos
Cachoeira era comparsa da Delta, a construtora queridinha do PAC. O
bicheiro mandava e desmandava no Dnit, órgão que, além de acobertar as
jogadas da Delta, intermediava doações para campanhas políticas, segundo
seu ex-diretor Luiz Antonio Pagot. Entre essas campanhas estava a de
Dilma Rousseff, da qual Cardozo fazia parte. O policial federal
assassinado estava entre os homens que começaram a desmontar o esquema
Cachoeira-Delta, e seus tentáculos palacianos. O mínimo que qualquer
autoridade responsável deveria dizer é que um caçador da máfia foi
eliminado de forma mafiosa. Mas o falante ministro da Justiça preferiu
ficar neutro, como se a vítima fosse o sorveteiro da esquina. Haja
neutralidade.
Montar
golpes contra o Estado brasileiro é, cada vez mais, um crime que
compensa. Especialmente se o golpe é montado dentro do próprio Estado,
com os padrinhos certos. Exemplo: às vésperas do julgamento do mensalão,
um conhecido agente do valerioduto acaba de ser inocentado,
candidamente, à luz do dia.
Graças
a uma providencial decisão do Tribunal de Contas da União -
contrariando parecer técnico anterior do próprio TCU -, Henrique
Pizzolato, ex-diretor de marketing do Banco do Brasil que permitiu
repasses milionários à agência de Marcos Valério, não deve mais nada a
ninguém. Os famosos contratos fantasmas de publicidade, que permitiram o
escoamento sistemático de dinheiro público para o caixa do PT, acabam
de ser, por assim dizer, legalizados. Nesse ritmo, o Brasil ainda
descobrirá que Lula tinha razão: o mensalão não existiu (e Marcos
Valério se sacrificou por este país).
O
melhor de tudo é que uma lavagem de reputação como essa acontece
tranquilamente, sem nem uma vaia da arquibancada. No mesmo embalo ético,
Delúbio Soares já mandou seu advogado gritar que ele é inocente e
jamais subornou ninguém. O máximo que fez foi operar um pouquinho no
caixa dois, o que, como já declarou o próprio Lula, todo mundo faz.
Nesse clima geral de compreensão e tolerância, o ministro do Supremo
Tribunal Federal que passou a vida advogando para o PT já dá sinais de
que não vai se declarar impedido de julgar o mensalão. O Brasil
progressista há de confiar no seu voto.
Esses
ventos indulgentes naturalmente batem na cela de Cachoeira, que se
enche de otimismo e fala grosso com a CPI. Se o esquema de Marcos
Valério está repleto de inocentes, seria leviano deixar o bicheiro de
fora dessa festa.
GUILHERME FIUZA é jornalista.
Não quero deixar de acreditar que os envolvidos nessa vasta corrupção serão inocentados.
Não era para ser somente 38 julgados, Lula ficou de fora porque?
Nenhum comentário:
Postar um comentário